Hoje acordei com um puxão de orelha. Um, não, três. O primeiro veio num story publicado pela Gilda; o segundo, num texto, como sempre memorável, do Cláudio Chinaski. E, o terceiro, num resgate do Facebook.
O post da Gilda se mostrou numa sequência de fotos que retratam a transitoriedade da vida. “A viagem é rápida. Aproveite o momento”, diz o lettering com direito a trilha sonora:
“Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
O tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo (…)”. Esse Renato Russo sabe como mexer com a gente.
Epa!!! Melhor ligar o sinal amarelo. Será que estou, de fato, aproveitando o momento ou me acho postada na janela, posando de namoradeira? Para reflexão.
E puxão de orelhas continuou. Numa corrida d’olhos pelo Facebook lá estava o “Seu Cráudio” falando sobre o correr da vida. Na infância dele – e também da minha e muito provavelmente da sua – o tempo era marcado por rituais de espera. Ansiávamos pelos aniversários, pelo Natal, pelas férias escolares, pelas férias, pela volta às aulas, pela visita de tios e primos. Um tempo em que “o relógio era menos importante que a vida”. A essa lista do Cláudio eu acrescentaria a inesquecível pergunta da Iara:
– Tia Gisele, quantos Trapalhões ainda faltam para o Natal?
Hoje, adultos, para o Cláudio e para muitos de nós, as esperas são sinalizadas pela Natureza. Mesmo que ela não ande tão precisa assim. A mão do homem, sempre ela, anda subvertendo a ordem das coisas. Esperar pelo inverno e ansiar pelas águas com um sentimento dúbio. Por que? Transito entre o gostar da chuva e o temer pelas enchentes. Por aqui as cheias costumam assustar. Invadem casas e destroem plantações.
E os ipês? Ah, os ipês! Um deleite, presente para olhares cansados. Ainda ontem, pedi ao taxista que diminuísse a velocidade. Precisava fotografar o ipê branco que estava ornando uma rua deserta de verde em plena região Centro-Sul de Beagá. Neste ano o branco chegou mais cedo. Atropelou o amarelo. Não sei se você está lembrada, mas o roxo é sempre o primeiro. Abre o ciclo. Tem também o tempo da mangueira do quintal. Primeiro ela se reveste de verde. Folhas novinhas que prometem muita sombra em dias quentes e ensolarados. Depois se enche de flores. Muitas. A seguir veem os frutos, refeição farta para os bandos de passarinhos que costumam banquetear entre seus galhos. A safra é sempre generosa. O excesso doamos para quem aprecia. Juju, toda faceira, acomoda as mangas em uma caixa. Junto vai um bilhetinho escrito por ela:
– Podem levar. É grátis
Presente nosso.
Um ciclo (ainda) perfeito. Nessa fase da vida, como diz o Cláudio, vivemos um esperar a vida passar no “relógio feito de folhas e flores surgindo e desaparecendo, de bichos chegando e partindo, de frutas e frutos nos saciando os desejos”. Papai conhecia bem esse “cio da terra”. Aprendemos com ele.
Ah, já estava me esquecendo do terceiro puxão de orelhas. Minha memória anda me pregando peças. Vai ver é o Patz. Lembrando que preciso me libertar dele.
Voltando à vaca fria, essa mania do Facebook de resgatar lembranças mexe com a gente, né mesmo? Pois, então! Hoje, o “face” me devolveu um post de 2020 que tem tudo a ver com essa prosa toda sobre o correr da vida. Se a gente não tomar tento …
“Depois o café esfria. Depois a prioridade muda.
Depois o encanto se perde. Depois o cedo fica tarde. Depois a vontade passa. Depois não”.
Pois, é! Parece que não andei atenta aos sinais. Guimarães Rosa é que está certo. “O correr da vida embrulha tudo”. a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.
Indo. Fiquem bem. Coragem. Aproveitem o presente. O passado já foi e o futuro … vai saber, ne? A gente se vê por ai.