Tenho uma relação intensa com cheiros. Posso sentir um perfume a metros de distância; o mesmo acontece com odores nem tão bons assim. Para a Ciência trata-se de Hiperosmia. Gilda tem outra opinião. Ela insiste que essa minha característica está relacionada à espiritualidade.
- Gisele, isso tem a ver com mediunidade. Tem um monte de espírito perto de você.
Aí meu lado cético não dá conta, né? Vou apurar. Pesquiso daqui, pesquiso dali, li que essa minha característica pode estar ligada àquilo que os entendidos chamam de mediunidade olfativa. Diferentemente das pessoas que vêem ou falam com espíritos, o médium olfativo sente a presença dos espíritos por meio da percepção de odores nos locais onde se encontra ou frequenta.
Se for um espírito que gostava de cozinhar, podemos sentir, por exemplo, o cheiro de um alimento ou perfume inconfundível daquela pessoa e o odor dos seus cigarros. Se o espírito amava flores, podemos, de repente, sentir o cheiro da flor favorita deles Isso acontece mesmo que a flor não esteja ao seu redor.
Li ainda que odores bons e perfumes agradáveis normalmente indicam a presença de um espirito amigo; cheiros desagradáveis sinalizam que por perto pode estar um espírito em sofrimento.
Mas, como ando em boa companhia ultimamente, só tenho sentido cheiro bom. De goiabada, por exemplo. Volta e meio percebo cheirinho da fruta mexida no tacho. Uma verdadeira viagem ao passado. De quando moramos em casa que tinha um quintal enorme. Ia até a margem do rio. Papai plantou goiabeiras para impedir que nos aventurássemos por lá. A idéia deu certo. O pomar cresceu sem controle. Era goiaba que não acabava mais. Toda a safra era doada ao Pedro Mourão e ia direto para o tacho da Dona Fiinha. A esposa fazia a mágica. Pelas mãos dela as frutas viravam goiabada. O doce chegava às nossas casas em caixas de madeira forradas com papel celofane. Um deslumbramento. E o perfume? Ai, meu Deus! Que delícia! As caixas duravam meses. Sobremesa, lanche da tarde e até na merenda. Mamãe colocava um pedaço do doce com queijo na nossa merendeira. Ia embrulhado em um guardanapo de tecido. Eu adorava aquele carinho.
A casa da infância não existe mais; o quintal também não. Pedro Mourao se foi. Papai e Mamãe também. E Dona Fiinha deixou de fazer doces faz tempo. Tudo virou memória. Ontem, caminhando pela cidade, senti cheiro de goiabada. Huum! Até salivei. Espírito do bem? Talvez. Vai ver, né? Quem sou eu pra duvidar daquilo que está além da nossa compreensão terrena.
Entre o sagrado e a ciência decidi por não conferir se havia alguma goiabeira por perto. Segui em frente. Aquilo só podia ser coisa boa, né? Lembrando aqui que a Adélia Prado disse certa vez que goiaba é fruta abençoada. É é mesmo.
“Um dia apanhando goiabas com a menina,
ela baixou o galho e disse pro ar
– inconsciente de que me ensinava –
“goiaba é uma fruta abençoada”.
Seu movimento e rosto iluminados
agitaram no ar poeira e Espírito:
O Reino é dentro de nós,
Deus nos habita.
Não há como escapar à fome da alegria!”
Se a poesia da Adélia já saciou o nosso espírito é hora de alimentar o corpo. Receita da goiabada para quem voltou no tempo e está sentindo o cheiro do doce entrando pela janela.
Goiabada cascão
Ingredientes:
1kg de goiaba
700 g de açúcar
Modo de fazer:
Lave as goiabas. Parta ao meio. Retire as sementes e coloque no tacho com o açúcar. Mexa devagar por cerca de uma hora e meia até dar o ponto.
Deixe a espuma. É ela que dá liga ao doce.
Tome cuidado para não agarrar no fundo do tacho. Se não tiver a caixa de madeira, despeje em um recipiente forrado com plástico filme ou papel celofane.
Por fim, uma recomendação para quem for se aventurar a fazer doce de goiaba: costuma dar muitas bolhas e espirrar bastante. É recomendável proteger mãos e braços
Me lembro bem de quando a mamãe se aventurava a fazer também o doce de goiaba naquele tacho de cobre que ainda guardamos. O processo de cozimento trazia um sabor único e delicioso para a fruta, e o perfume se espalhava por toda casa, tornando o ambiente ainda mais acolhedor.
Como esse perfume mexe com a gente. Meu Deus!
Que delícia (literal) de texto. Essas lembranças de infância são tão gostosas. Me remeteu a uma vez que comi goiaba branca apanhada no pé depois de uma chuva. Ela estava gelatina. Achei uma bênção.
“Goiabada com queijo embrulhado em guardanapo de tecido realmente é muito carinho!!!”☺️
E que delícia 😋😋😋
Isso é sobre carinho. Tem sabor de saudade. Beijo pra vc.