Tio Gualter era muito doentinho. Vovó Cocota contava que nada punha fim àquele sofrimento. Buscaram por socorro médico, ouviram aconselhamento dos amigos. E nada. Nem mesmo a benzeção da Comadre Isolina conseguia curar o menino. Parecia caso perdido. Só que não. No desespero Vovó pediu um help à São João. E num é que o filho de Zacarias e Isabel deu um jeito na situação.
A solução veio a jato, pois João e Jesus eram carne e unha por causa do parentesco próximo. Isabel era prima de Maria. Daí o canal direto com o Altíssimo.
Mas como não existe almoço grátis, Vovó prometeu à São João que em caso de cura, enquanto ela vivesse, todo dia 24 de junho faria uma festança para as crianças da cidade. E assim foi feito.
Durante anos Vovô montou uma enorme fogueira na porta de casa. Da cozinha, saiam biscoitos e roscas, peneiras e peneiras de pipoca, pé de moleque, cocada, cajuzinhos e mais uma infinidade de outras delícias. E nós só ali. De tocaia, esperando a hora de comer aquilo tudo. E, o melhor, de ganhar bombinhas e traques distribuídos à mão cheia pelo meu avô. Só que antes, para nosso desespero, tinha o terço. Uma tortura. Aquela reza durava horas. Não acabava nunca (nossa, que sacrilégio!).
Há poucos dias um amigo querido, irmão camarada, lembrou de tudo isso e me contou uma história deliciosa desse tempo da delicadeza.
Naquela época, jeans era uma raridade. Só quem morava na cidade grande tinha acesso à preciosidade. Todo garoto queria ganhar uma daquelas calças. As meninas, também. Uma das tias, sabendo do desejo dos sobrinhos, presenteou a cada um deles com uma calça jeans. Quer ocasião melhor para estrear o modelito que na fogueira da casa da Vovó Cocota? E lá foram eles. Todo produzidos para a festança junina.
Vencido o terço, ufff, finalmente chegou a hora de aproveitar. Mal podiam esperar para ganhar os traques e as bombinhas. E como com o Vovô não tinha miséria – afinal era preciso agradar e agradecer ao Santo – os irmãos foram enchendo os bolsos do jeans com as preciosidades. Aquela era a chance, a melhor oportunidade para fazerem um estoque que, pasmem, seria usado em ocasiões menos nobres, como, por exemplo, para assustar os bichos e a família.
A festa corria solta até que um deles sentiu vontade de esvaziar a bexiga. Para não perder tempo na fila do banheiro decidiu resolver o problema na moita mais próxima. Na escuridão e na pressa o pobre atrapalhou-se com o fecho éclair. E num é que o danado se enroscou no dito cujo e dali não se desprendeu mais? Foi o fim da festa. O menino, esvaindo-se em sangue, foi levado para casa nos braços do meu avô.
Chegando lá, correria para todo lado. Não havia como desprender o bichinho do zíper. Uma tia mais habilidosa pôs fim ao suplício. A mãe, ainda assustada, culpou o senhor das trevas pela quase tragédia.
- Esse fecho éclair é coisa do demônio. Só queimando essas calças pra não acontecer de novo.
Dito isso, juntou todos os jeans e botou fogo. Tão lembrados do estoque de traques e bombinhas guardados nos bolsos dos jeans? Pois, então! Foi uma explosão só. Algo nunca visto naquele quintal. O fato só serviu pra confirmar a suspeita da mãe.
- Num falei que isso era coisa do demo?
Matreiro que só, o São João menino deve ter se divertido demais com tudo isso. Tirando, é claro, a quase perda do dito cujo.
Ah, sobre a fogueira, traques, bombinhas, foguetes, biscoitos e doces, quando Vovó se cansou da trabalheira passou o bastão para Tia Marlene. Durou enquanto a nossa tia tinha energia. Já estava de bom tamanho. São João, certamente, ficou agradecido. Sentiu-se recompensado. Foi bom enquanto durou.
Lendo a crônica me dá pena é de quem teve “o dito cujo” preso.Mesmo não tendo um dá para imaginar a dor.
E sobre sua habilidade com as palavras, gostaria de dizer que até um calorzinho nas bochechas eu consegui sentir me transportando para frente da fogueira.
Esse risco a gente não corre, né Bia? Falar da fogueira da casa da Vovó dá muita saudade. Beijo pro cê.
Maria Beatriz tem toda razão sobre sua habilidade com a escrita! Adoro ler aquilo que você escreve.
Fica aqui minha admiração 😍
Vocês são adoráveis e generosas . Obrigada. 🌹