Não tinha mais que sete anos. Vivia solto pela Fazenda da Boa Vista. Roupas? Só as muito necessárias. E sapatos, então? Não se lembrava da última vez que foi obrigado a calçar um. Até que na Crisma não teve como se safar. A ocasião exigia. Ganhou um par. Desabituado, lutou com os sapatos até conseguir calçá-los. Operação finalizada, lá foi ele manquitolando até a sala. Foi recebido com olhares perplexos:
- Por que o Vade tá mancando desse jeito? Deve ter se cortado. Ou será que é um espinho, picada de inseto, de cobra … opinou o Tio Meralino.
- Né, não! Espia só como tá calçado, disse o Tio Elói.
A verdade é que a falta de costume levou o então infante Osvaldo a calçar o sapato esquerdo no pé direito e o direito no pé esquerdo. E num é que a expressão “o hábito faz o monge” cabe direitinho nessa história da infância do nosso Velho Osvaldo?
E por que foi que me lembrei de um ditado popular quando o assunto é esse causo do Papai que sobreviveu à muitas gerações? Uai, porque sou dessas que adora um ditado popular. Papai foi contar a história e aí não deu outra. Lembrei de pronto do dito cujo.
Meu interesse é tamanho por essas expressões que chego a pesquisar sobre a origem delas. Quer ver só? Aposto um par de sapatos herdados do Velho Osvaldo que você, em algum momento da sua vida, já soltou um “cuspido e escarrado” ao se referir à uma pessoa que é “a cara de uma, focinho da outra”? Ihhh! Sinto lhe dizer, mas você acabou de perder os sapatos. O correto nesse caso é “esculpido em Carrara”.
Quer ver outro? “Batatinha quando nasce, se esparrama pelo chão”. Nananinanão. O certo é “batatinha quando nasce, espalha a rama pelo chão”.
Por falar nisso, “1, 2, 3 batatinha frita” . E num é que Round6 tá fazendo o maior sucesso. O nome original da série é Squid Game, referência a um jogo infantil sul-coreano popular que…. Epa! Sem spoiller. Falaremos sobre Round6 em outra hora.
Voltando aos ditados populares, sabe quando você vai se referir à uma tonalidade que não lhe agrada e você diz que é “da “cor de burro fugido”? Né, nada. O certo é “corro de burro quando foge!”
Essa conversa toda aqui me lembrou o Senhor Inhozinho, um vizinho muito amigo da nossa família. Veio dele a correção e a explicação que eu nunca esqueci. Por algum motivo soltei um “quem não tem cão, caça com gato”.
Minha filha, não diga isso. O certo é “quem não tem cão, caça como gato”, ou seja, sozinho.
Nunca mais me esqueci dessa lição. Aliás, nos últimos tempos o nosso lado “gato” anda em alta. Com todo esse isolamento provocado pela pandemia, a gente tem se sentido tão sozinho, né mesmo?
Mas voltando à vaca fria (ops!), você que é candidato ao par de sapatos vintage do meu pai certamente já estufou o peito pra dizer : “Ah, isso são ossos do oficio!” Que nada! O correto é “isso são ócios do oficio”.
“Enfiou o pé na jaca”? O erro aqui tá no gênero e no acento. A fonte é o livro ‘Suíte gargalhadas’, escrito por Henrique Cazes. A expressão tem a ver com porre, pileque. Remonta aos tempos em que os bares tinham cestos com frutas e legumes bem na entrada do estabelecimento. E era nesses cestos de palha, chamados jacás, que ficavam os artigos à venda. Quando alguém bebia demais, ao sair enfiava o pé aonde mesmo? No jacá, off course! Por falar nisso, na semana passada aquele litro e meio de sakê me levou a enfiar o pé no jacá com força. Lembrando aqui que até cantei em japonês num dueto histórico com a Jacq. Pior que isso, postamos nas redes sociais com picos de curtidas, links, comentários … Ihhhh! Que mico! Melhor abafar o caso.
Mudando ” de pau pra cavaco” ainda sobre ditados e seus equívocos, lembra quando você era criança a sua mãe vivia repetindo?
- Esse menino não para quieto. Parece que tem bicho carpinteiro.
Na verdade, o que ela queria dizer é que você era um menino ou uma menina que “parecia até que tinha bicho no corpo inteiro”.
“Quem tem boca vai a Roma”? Não vai não. “Quem tem boca vaia Roma”. Uai! Por que será que Roma era vaiada? Sei lá. Vou pesquisar mais um pouco. Depois conto pra vocês.
Ah, “se hoje é domingo, pé de cachimbo? Quase. “Na verdade, “se hoje é domingo, pede cachimbo”. So que aconselho você a esquecer desse aí. Afinal, fumar nunca foi um bom negócio. Aposente o seu cachimbo, cigarro eletrônico, cigarro de palha e afins. Sua saúde vai agradecer muito. A de quem tá ao seu lado também.
Sobre os ditados, o meu preferido ainda é o “Cuspido e escarrado” , o mesmo que citei no início da nossa prosa. Em “Amor nos tempos do cólera” o escritor Gabriel Garcia Marquez diz que quando a gente se acha parecido com os nossos pais é sinal que envelhecemos. Nos últimos tempos tenho me achado a cara da minha mãe. Diria até que fomos “esculpidas em Carrara”. Cara de uma, focinho da outra. Tá vendo! Envelhecer não é algo tão ruim assim.
Vou continuar falando tudo errado. Mas quero concorrer aos sapatos velhos!
Está no páreo. 😅
Que legal saber de tudo isso!! Adorei!
Agora, como escreveu Belchior em sua canção, “Como nossos pais”,imortalizada na voz de Elis Regina, “… minha dor é perceber que apesar de termos feitos tudo, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais…”, discordo que seja dor, penso que é a maior e a mais bela herança encontrar em nós mesmos, nossos amados pais!
Encantada com suas descobertas populares! Beijoss