Sobre a finitude, Guimarães Rosa diz que “as pessoas não morrem, ficam encantadas”. Diz mais: o escritor é enfático quando afirma que “a gente morre é para provar que viveu”. Pode até ser, mas, literatura à parte, que é muito difícil encarar a bicha de frente, isso é.
E pra quem já viveu muito? Fico aqui matutando sobre as perdas do nosso Velho Osvaldo nessas mais de nove décadas de vida. A primeira foi na infância. Aos 10 anos perdeu a Tia Venina. Morte trágica. Grávida de gêmeos, foi tragada pelas pás do engenho da Fazenda da Boa Vista.
- Só de altura a roda media mais de 7 metros. Foram só dois giros, até que o corpo afundou no poço de três metros. Era todo coberto de pedra. Mão de obra escrava.
Muitos anos depois, já casado, família formada, Papai perdeu o Tio Elói. Mais que um tio, o nosso Velho Osvaldo o tinha na conta de segundo pai. É desse tio que ele guarda as melhores lembranças dos tempos da Fazenda da Boa Vista. Um mundaréu de terra, que com o passar dos anos foi dividido entre os filhos.
Com o passar do tempo, novas fazendas foram se formando. A do Tio Elói era a Malícia. Fazia divisa com a do Estreito, fazenda dos meus avós, Liberalina e Lázaro Carlos. Tinha também a Fazenda da Soca, a do Batume. Os nomes vinham das nascentes dos córregos. Todos desaguavam na Boa Vista, a sede de tudo aquilo. Os córregos eram a força motriz que movia o engenho. Também alimentavam uma pequena hidrelétrica, uma das três únicas de toda a região.
Por lá se produzia de tudo. Tio Elói criava gado leiteiro, plantava milho e engordava porcos. Do leite, produzia o creme vendido para a fábrica de manteiga Pião, em Conceição do Pará, na época chamada de Cardosos. O soro era para a engorda dos porcos, alimentados também com o fubá. O milho era plantado nas encostas das serras que cercavam todo aquele mundaréu de terra. E os porcos vendidos para a fábrica de banha Montanhesa, lá de Divinópolis.
- Tio Elói, Tio Roque, Tio Meralino, Tia Marieta, Tia Marica, Tia Inhazinha, todos também já se foram, assim como meus avós, meus pais, alguns irmãos, cunhadas e cunhados, minha querida Nely, meus filhos Guilherme e Osvaldinho, meu sogro e minha sogra. Mas é como disse o padre Adriano: “a morte é parte da vida”. Quanto a mim, com mais de nove décadas de vida, não desisti de nada e ainda estou que faço planos. Não estou pronto pra subir. Ainda quero aproveitar a vida com meus filhos, filhas, netos, bisnetas e com o bisneto. São eles que enchem meu coração de alegria.
Com essa idade e ainda faz planos? Não estranhe, não. O Velho Osvaldo faz planos, sim. Um deles é dançar um tango em Buenos Aires; o outro, conhecer Fátima. De lá pretendemos ir até Évora, cidade do Norte de Portugal aonde está a Capela dos Ossos, uma construção erguida no século XVI. A capela é toda ela feita com ossos de mais de cinco mil monges franciscanos. Na entrada há uma inscrição: “Nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos”, uma constatação que a vida é mesmo transitória. Então, que vivamos a vida e que seja com sabedoria e alegria. Portanto, Carpe diem!
Esse acidente com Marília Mendonça e sua partida rápida no faz refletir muito sobre não deixar nada para amanhã.
Carpe diem. ⚘
Parabéns pela crônica. Como sempre impecável.
Gentileza que tansborda nas palavras. Obrigada. ⚘
“Pra morrer basta estar vivo”, que o digam os que estão morrendo agora, nos matadouros, para constar apenas como item de um cardápio, inexpressivo e triste. Chamam-nos “gado de corte” ou “proteína animal” porque denominá-los “cadáveres” não vende, não é comercial, é contra indicado na hora de fazer propaganda da “carne saudável” deles. Entretanto adoravam viver, tanto quanto nosso queridinho Pet, que a gente ama de paixão e sofre à beça quando ele fica doente ou morre. Somos especistas para designar quais inocentes morrem e quais não. “Animais de corte” são indivíduos bonitos, quando inteiros, antes de serem esquartejados, porque aí, não se reconhece mais o rosto deles, onde a emoção brilhava, do amor à prole, ao sol, às estrelas, à chuva, à neve, à primavera que tiraram deles para os transmudarem em um simples sanduíche, fatiados, impregnados da energia negativa do desespero deles diante da morte. Eles sofrem, sentem o mesmo medo que sentiria um bebê arrancado do berço para ser machucado e morto. Não se pode considerar “saudável” o hábito milenar, primitivo e bárbaro de mastigar pedaços da carne de um morto, enquanto a Natureza explode de vida, esbanjando alimentos que nascem da terra sempre grávida, permanentemente estuante de verduras, legumes, grãos, frutos e cereais para quem plantou de joelhos e colheu de mãos postas, rezando pelo alimento sem crueldade, sem sofrimento e sem a dor de nenhum amigo ou irmão, reconhecido ou anônimo, criado por Deus.
Para reflexão. 🤔
Como sempre, escreves como Rosa, tirando da alma os sentidos do sentido maior. Sim, a vida é breve. Saibamos viver como Velho Osvaldo, tão sábio, tão generoso, tão menino.
Abração, Gisele
O nosso menino agradece. Eu, também!. Beijos abraçados pro cê.⚘