Quando o corpo pede calma

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1906
"Velho Osvaldo" e suas meninas em um dos cantos preferidos da família: ao redor da mesa. Foto - arquivo pessoal

São mais de 90 voltas em torno do sol. Ai é natural que as visitas do papai ao consultório médico se tornem cada vez mais frequentes. Faz parte. Não há corpo que aguente o tranco. Se dói o rosto maltratado pela última cirurgia, dói também a coluna que sustenta a lida. E o que dizer do velho coração machucado pelas ausências? Esse dói demais. Não há remédio que cure.

Mas, verdade seja dita. O nosso Velho Osvaldo é duro na queda. Nunca se deixa abater. Lembra da Polyana? Aquela mesma. A do “jogo do contente”? Certamente Papai nunca leu a obra da escritora Eleanor H. Porter , mas sabe jogar direitinho. É aquela história do “se não tem remédio, remediado está”. Ou “se você tem um limão faça dele uma limonada”.  No caso, se tem que ir a mais uma consulta, que essa seja uma celebração.

É assim quando se encontra com o Dr. Lissandro. Papai encara a ida ao consultório do cardiologista de Divinópolis como uma visita a um velho amigo. Tem de tudo.  De troca de presentes a muitos causos a serem contados. E dá-lhe risada. Santo remédio.

  • Seu Osvaldo, eu já contei a história da cobra cascavel pro senhor? 
  • Essa eu não conheço, não Dr. Lissandro.
  • Pois aconteceu numa pescaria no Rio Pará …

Fim da consulta, remoçado, Papai se diz pronto pra outra.  E antes da despedida ainda revela ao Dr. Lissandro a traquinagem que anda planejando.

  • Tenho que ir a Buenos Aires dançar um tango com as minhas meninas.

Ah, no caso, as meninas somos nós, as filhas. Voltando às consultas, a ida ao consultório do Dr. João Batista é outra aventura. Dessa vez, em Beaga. E dá-lhe mais conversa, troca mútua de elogios e conselhos que Papai pouco ouve (ou, espertamente, finge que não ouve).

-Seu Osvaldo, nada de pegar peso, heim? Que história é essa que o senhor machucou o braço lidando com uma vaca brava? Deixa isso pra gente moça. O senhor tem é que aproveitar pra curtir a vida.

Quem disse? Papai nunca esquenta lugar. Mal termina a consulta já quer voltar pra Conceição do Pará.

  • A seca tá brava. O pasto tá muito seco. Tenho muita coisa pra fazer por lá. Não posso ficar aqui à toa.

Que sorte a nossa, né? Que bela limonada esses dois médicos servem ao nosso pai. Com eles o tal do “atendimento humanizado” sai do discurso da academia para o dia a dia do consultório. Dito isso só consigo lembrar de um recorte de “O menino que escrevia versos”, obra do maravilindo Mia Couto:

— Dói-te alguma coisa?

— Dói-me a vida, doutor.

O doutor suspendeu a escrita. A resposta, sem dúvida, o surpreendera.(…)

— E o que fazes quando te assaltam essas dores?

— O que melhor sei fazer, excelência.

— E o que é?

— É sonhar.

3 COMMENTS

  1. Linda crônica, Gi! O velho OSWALDO é um manancial inesgotável de exemplos e casos! Fale pra ele largar as vacas bravas e levar vocês para um tango no Café Tortoni! Beijo.

  2. Ahhhhh Gisele! Sonhar!! Como cura sonhar!!
    Meu querido Osvaldo, é um álbum de sonhos realizados e um portal para se sonhar!
    Crônica maravilhosa!! Um elixir para a alma!
    Beijossss

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