Na infância tive um caderno de poesias. “Leilão de jardim” era um dos meus poemas preferidos. Desde então, amo Cecília Meireles. Esse poema me levou a outros, que me levou a outros … Vou de Manoel de Barros a Drummond num piscar de olhos. Adélia Prado tem lugar cativo no meu coração, abrigo de Fernando Pessoa, Leminsk e Caio Ribeiro de Abreu. Ficaria horas aqui citando um a um os meus encantadores de palavras.
Mas, voltando a Cecília Meireles, anos depois (muitos, por sinal) dessa minha iniciação no mundo da poesia, Bernardo declamou o mesmo poema em uma apresentação na escola. Nós, as tias, choramos baldes de tanta emoção. Gravamos a cena e, orgulhosas do feito, passamos a mostrar a cena pra todo mundo.
- Vejam só que lindeza! É o Bernardo, nosso sobrinho. Ele é lindo demais, né mesmo? E ainda gosta de Cecília Meireles. Pode isso? Tanta lindeza?
( Ihhh, vou matar o Bê de vergonha. Ele vai me odiar.)
Hoje, Bernardo, um pré-adolescente, anda mais interessado em jogos digitais (e em bolos de chocolate, também!).
Tempo passando e ai vem aquela pergunta:
- Bê, o que vc vai ser quando crescer?
- Ora, Tia Gisele, vou ser ser um gamer famoso. Vou ganhar muito dinheiro pra tomar conta de você e das outras tias, viu!
Que bom! Que alívio! Nada de asilo para velhinhas desamparadas. Xô, solidão!
Felizmente, esse amor, essa ternura e compaixão têm origem: está no DNA (ahhh, Vovó Nely!). Aí não tem erro. E segue a vida com o Bê nos surpreendendo dia após dia com o seu conhecimento sobre tudo.
E por que estou contando isso? É porque acredito que poesia é cura. Remédio para um monte de coisas. Pra dores da alma, principalmente. A Marta Medeiros, em um texto publicado recentemente, chamou a atenção para um fenômeno recente. Ela percebeu que a poesia anda visitando as redes sociais com uma frequência nunca antes vista.
“Poesia, veja só. Aquela flor atrevida que surge entre os tijolos dos muros e as lajes das calçadas, e que altera a visão do mundo. Não foi combinado, ninguém propôs, não marcaram dia e hora para começar. Começou.” Verdade.
Em outro trecho a Marta diz:
“Alguém lembrou de Bandeira numa terça, outro puxou uma Cecília Meirelles na quarta, um Manoel de Barros veio à tona sexta-feira, e das páginas os versos saltaram para o universo digital, que estava mesmo precisando de algo mais depurado do que a bruta troca de ofensas entre dois lados. Palavras cintilantes, como vagalumes aqui e ali, acendendo tochas na escuridão”.
E lá vem constatação:
“A poesia não é oculta, e sim discreta. Basta um convite do olhar e ela se revela, para então se esconder novamente atrás da pressa, do tédio, do desencanto, do barulho”.
Comemoro com a Marta. A poesia é mesmo milagreira. Como ela diz no texto, a poesia retorna. É como uma “flor que brota no cimento, e que, insolente e bela, nos salva, nem que seja por um minuto, aquele respeitoso minuto de silêncio.”
E pra quem não está lembrado, aqui vai como um carinho uma palinha do “Leilão de jardim”.
“Quem me compra um jardim com flores?
Borboletas de muitas cores,
lavadeiras e passarinhos,
ovos verdes e azuis nos ninhos?
Quem me compra este caracol?
Quem me compra um raio de sol?
Um lagarto entre o muro e a hera,
uma estátua da Primavera?
Quem me compra este formigueiro?
E este sapo, que é jardineiro?
E a cigarra e a sua canção?
E o grilinho dentro do chão?
(Este é o meu leilão)”
Viva a poesia! Viva os jardins! Viva a tia com acolhida segura por um futuro gamer famoso!
Vivaaa! Abrigo no amor. É o que desejo a você. É o que desejo a todos. Obrigada.⚘
No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro.
entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta.
Cecília Meireles
Nessas asas da poesia conseguimos colorir nossos voos neste momento difícil!
Viva a poesia!! 👏🏻👏🏻👏🏻😘😘😘
Cecília nos traduz. Beijo pro cê levado pelas asas de uma borboleta.🦋