Gesto traduzido em palavras

Gosto de palavras. Gosto especialmente daquelas que trazem sonoridade, que expressam carinho, afeto e traduzem a doçura.

Amor perfeito, por exemplo. Uma palavra completa a outra pra traduzir a flor. Coisa mais linda. Era a preferida da minha mãe. Teve uma vez em Lisboa que vi minha mãe ajoelhada diante de um canteiro de amor perfeito. Ela repetiu o mesmo gesto em Fátima. Em ambos, agradecia.

Se no jardim tem amor perfeito tem também malmequer, orquídea, tulipa., hortênsia, amarillis, camélia, dália, acácia… Muitas até viraram nome próprio. Rosa, Margarida, Iris, Melissa.

Nas cozinhas as palavras também ganham forma, texturas e perfumes. A doçaria conventual portuguesa junta tudo isso e traduz em brisas do liz, queijinho do céu, baba real, gargantas de freira, toucinho do céu e papo de anjo. São doces que datam do século XV. Eram produzidos nas cozinhas dos conventos portugueses. A maior parte leva grandes quantidades de açúcar e gemas de ovos. Naquele tempo as claras eram usadas para engomar os hábitos das freiras.

Se gosto de palavras e gesto, gosto também das formas e das cores. Manoel de Barros, um dos muitos poetas que habitam o meu coração, se diz livre para o silêncio tanto das formas quanto das cores. Ele se traduz como um “apanhado de desperdicios”.

“Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.(…)”

Acho que é por isso que ando fazendo bolos. Em meio ao silêncio, construo formas e cores. A tudo agrego afeto, acolhimento, perfume, textura e sabor. Misturo, levo para o calor do fogo e na temperatura e no tempo certos oferto a quem compartilha a mesa comigo. Antes de ir à mesa ainda ganham nome. Bolo Nely é um dos meus preferidos. Bolo Amor Perfeito também. Há muitos outros. As receitas? Ficam para a próxima vez. Me aguardem.