Um certo goleiro da camisa amarela

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Na adolescência me apaixonei pelo Tostão. Era muito fã. Colecionava pilhas de recortes de jornais e revistas com fotos e reportagens sobre o famoso centroavante e ponta de lança do Cruzeiro.

Só recentemente fiquei sabendo que não estava sozinha nesse culto aos jogadores de futebol. Outras meninas, movidas pela mesma paixão, viveram verdadeiras aventuras. Judith Viegas é uma delas.

Judith nasceu e cresceu em uma fazenda. Quando foi para a cidade conheceu aquela que viria a se tornar a sua melhor amiga. E, adivinhem: Kátia era torcedora fervorosa do Cruzeiro. Não demorou nada. Judith também se tornou uma cruzeirense apaixonada.

Tudo corria bem até que a morte do irmão a fez sair do eixo. O Cruzeiro fez com que sobrevivesse à dor. Para amenizar o luto, Judith passou a manter correspondência intensa com o Clube. Cartas iam e vinham. Judith acabou se tornando uma especialista na história do Palestra Itália.

Naquele mesmo ano os jogadores do Cruzeiro foram convocados para a Copa do Mundo. Eufórica, Judith pensou em convidar todo o time para a sua formatura. Mas, o que fazer se eram muitos? Ficaria inviável. Ela decidiu, então, priorizar alguns. Enviou cartas para o Piazza, Natal e, é claro, para o Raul, seu “deus escandinavo”, top do top do Cruzeiro.

A resposta não demorou. Judith recebeu fotos oficiais autografadas dos ídolos. Piazza e Natal justificaram que tinham outros compromissos e pediram desculpas pelas ausências em um momento tão importante.
Judith respirou aliviada.

  • Já pensou se viessem?

O Raul mandou a foto oficial autografada, agradeceu a atenção e dedicação dela ao Clube. Não disse que viria. Mas também não disse que não viria.

Enquanto isso, a formatura da primeira filha mudou a rotina da família. Se era motivo de orgulho, também virou um poço de problemas, sustos e dívidas. O dinheiro emprestado mal daria para as roupas e para a mesa do baile. O pagamento do cabeleireiro teria que ser dividido. O dinheiro, curto, não seria suficiente para pagar as fotos. Mas quem queria saber de fotos? Eram outros tempos.

Judith, à frente, na solenidade de sua formatura, em Pitangui. Abaixo, ele recebe o diploma. Fotos - arquivo pessoal
Judith, à frente, na solenidade de sua formatura, em Pitangui. Fotos – arquivo pessoal

Finalmente, chegou o grande dia. O primeiro coque de mechas imitava um cacho de indaiá. Mas era duro e pesado de laquê de parafina e a deixava com dor de cabeça. Judith se sentia “peada”. Não podia se mexer. E pra piorar, esqueceram de medir o tamanho do decote. A cabeça não passava pela abertura sem destruir a coque. Mas, calçaria o primeiro salto alto. O sapato era da mãe. Mas quem se importava?

Lá pelas cinco da tarde o telefone tocou.

Era o Raul. Tinha acabado de chegar em Pitangui. Como não conseguiu encontrá-la foi para a casa de amigos. Não estava sozinho. Levou com ele a esposa que Judith já a conhecia das colunas sociais de Ibraim Sued e do Nicolau Neto.

O susto foi tão grande que Judith passou mal. Desabou ali mesmo, ao lado do telefone. O pai ia chegar da roça para o baile. E como se não bastasse, ela ainda teria que lidar com a braveza da mãe. Como resolver aquela embrulhada?

Judith não podia surtar trancada no quarto. Dividia o espaço com as irmãs. Acabou debaixo da cama, mordendo o travesseiro pra ninguém ouvir o choro.

Só que ela não podia ficar ali para sempre. Desesperada, foi para o baile como uma novilha vai para o matadouro. Quando chegou, Raul e a poderosa Maria Carmem já estavam no Centro Social. Dividiam a mesa com a professora Mary Morato. Uff! Que alívio! Pelo menos, estavam bem hospedados. Só que com medo da reação dos pais, não foi até a mesa.

Tudo transcorria mais ou menos bem quando o mestre de cerimônia anunciou a presença ilustríssima e inesperada do goleiro do Cruzeiro e da sua socialite.

Pitangui nunca tinha visto aquilo. O casal foi chamado ao palco e, para desespero da Judith, o goleiro contou que estava ali a convite dela. Ihhh! Espanto geral.

Judith recebendo o diploma de formatura
Judith recebendo o diploma de formatura

Judith foi convidada ao palco. Colocaram um microfone na sua mão. Logo ela, que nunca tinha visto um microfone de perto. Não deu outra. Começou a chorar. O primeiro contato com celebridades tinha sido um desastre.

Mas como tudo que está ruim pode piorar, o desastre teve outra testemunha famosa além do casal celebridade: o Antônio do Vale, que estava ao lado do palco, viu e ouviu o desenrolar da trama toda. Anos depois do ocorrido, quando se divertia em um forró, foi surpreendida pelo famoso:

  • Desde menina você sempre foi danadinha.

Lembra quando você trouxe o Raul ídolo e campeão do Cruzeiro aqui em Pitangui?

Nada fica escondido mesmo.

Já formada e advogando, Judith tornou-se companheira da Maria Carmen no bar Tip Top. Num desses encontros, a esposa do Raul soube que
Judith era de Pitangui. Foi a deixa pra comentar que ela e o Raul tinham participado de uma formatura na cidade. Tentou lembrar o nome da garota que havia convidado o casal. Judith, ainda traumatizada, fez a egípcia.

Se ela ainda tem ídolos? Certamente que sim. Mas duvido que vá contar pra alguém. Vai que a história se repete. Melhor, não.

4 COMMENTS

  1. Incrível essa crônica, parabéns pelo texto. Eu, atleticano doente desde criança no entanto trabalhei por 10 anos no restaurante do meu pai na sede campestre do Cruzeiro, na pampulha. E tive o prazer de conhecer a turma de perto: Raul, Piazza, Dirceu Lopes, Natal e, claro, o grande Tostão. Tornei-me a partit daí um atleticano simpático aos cruzeirenses uma coisa rara entre torcedores.

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