Um conhecido estadista revelou em algum momento que escrever sobre um período da própria vida revela um gosto especial por si mesmo. Se for assim, confesso, eu me amo, eu me adoro. Nada me dá mais prazer que compartilhar com você os causos daqui de casa.
E como a memória não obedece a relógios e muito menos a calendário romano, a contação de histórias reais não tem dia nem hora pra acontecer. O lugar, sim, é sagrado. A mesa. É em torno dela que volta e meia se ouve um mais cético dizendo: ” é mesmo? “Como é que pode?” “Isso de fato aconteceu? Outro deixa escapar um detalhe que faz diferença: “você nem tinha nascido ainda”. Tem também quem se surpreenda e aí sobram “ohhh”! Que coisa, heim?” E o que dizer daquele que se compadece com o destino do personagem: “ai, meu Deus, que dó!” “Como isso foi acontecer”? Tem também as risadas? É muita história engraçada.
Quando a narrativa vem do “Velho” Osvaldo, a Fazenda da Boa Vista é o cenário mais recorrente. Infância e parte da adolescência do Papai foram vividas ali. Haja causo pra contar. Histórias que não acabam mais. Já relatei várias aqui. A minha queridinha é a que discorre sobre o banquete oferecido pela Dinha Donana em pleno milharal. Surreal é pouco pra esse causo com direito a comidas sofisticadas servidas em porcelana, com talher de prata, copo de cristal, toalha e guardanapo de linho. Tudo isso pra punir um empregado que ousou discordar do cardápio oferecido a ele durante a lida. Qualquer dia desses conto de novo.
Se divirto ou distraio você, mesmo que seja por minutos, isso já me basta. Tento fazer que nem a Clarice Lispector. Se a dor de um amigo me chama a atenção, guardo a minha dor no bolso e vou. Comigo levo as minhas histórias e a minha escrita. Dá certo? Talvez. Prefiro acreditar que sim. Quando a gente dá sorte as palavras pousam e ai costumam fazer morada no coração do outro.
Por falar nisso, um dia desses o Padre Adriano me apresentou “A águia e a galinha”, um livro incrível escrito por Leonardo Boff. Confesso que o empréstimo chegou em boa hora. Não sou a única a sofrer com esse dilema. Afinal, quero permanecer na dimensão galinha, consumista passiva de objetos e ideias, ou prefiro a dimensão águia, buscando dar asas aos meus sonhos?
Pra dizer a verdade esse livro mexeu mesmo comigo. E se é pra voar como uma águia levo comigo os meus escritos. Quem sabe com eles eu possa suavizar a sua alma? Até mesmo apoiar você a se equilibrar entre os seus lados águia e galinha? Eu ando tentando sair do chão e quase já posso ver o brilho do sol.
E quando estiver pronta pra voar você estará comigo porque “uma águia nunca voa só. Vive e voa sempre em pares. O ser humano-águia é como um anjo que caiu do seu mundo angelical. Ao cair, perde uma de suas asas. Com uma só asa não pode mais voar. Para voar tem de abraçar-se a outro anjo que também caiu e perdeu uma asa. (…) Só assim, abraçados e juntos, com a asa um do outro, podem voar. Voar alto rumo ao infinito do desejo (…)”. Leonardo Boff resume assim a nossa missão. Um apoiando outro. “Um mais um é sempre mais que dois”. O frei e o Beto Guedes têm toda razão.
“Voarei,
um dia,
sem saber
se é de terra ou céu
a pegada do voo que sonhei.”
Mia Couto, recorte de “Vagas e luzes”
Ótima reflexão. Belíssima crônica.
Obrigada!
Muito bonito o texto. Hoje você estava particularmente inspirada. Semana escrevi o artigo “Voo de águia ou de galinha?”. Sobre a economia brasileira. O importante é não perder a pegada do voo sonhado! Bj
Li a sua crônica da semana passada. Gostei e aplaudo a sua reflexão. Quanto ao voo, se estou em boa companhia não há como perder o norte. Obrigada!⚘
Isso é uma verdade.
Mesma linha de pensamento. Não que seja ruim discordar de vez em quanto. Embates de ideias costumam ser salutares. 🤜🤛
Gisele, pessoas como você, que nos leva a viajar por espaços tão íntimos e tão reveladores ( por estarem esquecidos em algum cantinho de nossa memória) e nos dar alegria com a nostalgia, certamente é uma águia com alma de galinha: com pés na dimensão do chão familiar e a alma na dimensão do Amor que está família lhe dá!
Você leva o que somos (pessoa) ao encontro do que queremos ter para sempre (família)!
Parabéns!! 👏🏻👏🏻👏🏻❤️🌹
Que coisa linda de Deus! Obrigada, Valéria! Mas nada de voo solo, heim? Nunca me deixe voar sozinha. Sabe aquele bordão, “ninguém solta a mão de ninguém”? Pois, é! Sempre juntas e misturadas. Beijo abraçados. Infinitos.