Desde que foram criadas, no início do século XX, nos Estados Unidos, as unidades de terapia intensiva (UTIs) têm sido um verdadeiro bicho-papão de pacientes internados em hospitais e seus familiares. As siglas UTI, CTI (centro de terapia intensiva) e outras afins soam, aos ouvidos da grande maioria da população que com elas têm contato, como sinal de morte e de sofrimento.
Nas últimas décadas, contudo, importantes inovações, tecnológicas e comportamentais, têm, pouco a pouco, suavizado o impacto que elas causam, tentando afirmar aqueles espaços não como o fim solitário de vidas humanas, mas como o meio mais adequado para buscar a recuperação, quando possível, de pacientes em situação de maior vulnerabilidade.
Os avanços tecnológicos e o aprimoramento da formação dos profissionais de saúde permitem, naturalmente, uma melhor monitorização e suporte mais sólido aos doentes, mas o grande diferencial tem sido o processo de humanização dessas unidades que, no caso do Brasil, passa a se afirmar no início dos anos 2000, com o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH), de 2001, origem da Política Nacional de Humanização, o Humaniza-SUS, implantada em 2003.
Encarar o paciente não como simples objeto passivo de um tratamento, mas como um ser humano vulnerável, física e emocionalmente, que precisa se sentir o mais confortável possível, nos dois planos, é um grande desafio de hospitais públicos e privados e, em particular, dos médicos intensivistas, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, fonoaudiólogos, psicólogos e demais trabalhadores que atuam nas UTIs. Isto sem deixar de levar em conta, também, a fragilidade emocional dos familiares e mesmo as suas próprias, já que estes trabalhadores lidam, no dia a dia, com uma enorme pressão.
Virgínia Fonseca Castro, jornalista e advogada, viveu a experiência da UTI, em 2008, e acaba de revivê-la através da filha, de 18 anos, no mesmo hospital. Como paciente, esteve em quadro crítico, entubada durante quatro dias, depois de sofrer um choque anafilático, no pré-anestésico de uma cirurgia de retirada da vesícula.
Virgínia conta que nunca se sentiu tão isolada do mundo como na UTI. Não sabia distinguir o dia da noite, só tinha contato com algum familiar nos estritos horários de visita, duas vezes ao dia, convivia com um paciente que gemia sem parar, e ainda tinha o agravante de não poder falar, por estar entubada. Ficou praticamente sem comunicação.
“Agora tudo é muito diferente”, conta. “Tem os horários de visita na porta, mas só valem para os pacientes para os quais os médicos avaliam não ser conveniente, em razão de seu estado ou de sua enfermidade, ter a presença permanente de um acompanhante. Com minha filha, tive autorização de ficar as 24 horas do dia. Passava a noite com ela, em uma cadeira do papai. Nós duas estávamos com nossos celulares, sem proibição de utilização. Pra ela, que tem 18 anos, é uma ferramenta fundamental. Pôde preservar o contato com o mundo exterior”, relata Virgínia.
“A única limitação era imposta pela mobilidade reduzida das mãos. Um ambiente muito parecido com o de um ambulatório, com presença constante de médico e equipe de enfermagem. Claro, ficar no quarto é muito melhor, porque preserva mais a individualidade e a privacidade do paciente, permitindo a ele um convívio mais amplo. Mas a mudança de concepção das UTIs foi um grande avanço”, conclui.
Esta visão é corroborada pelo Dr. Hugo Urbano, presidente da Sociedade Mineira de Terapia Intensiva. Segundo ele, está cientificamente comprovado, através de estudos nacionais e internacionais, que a inclusão da família não apenas melhora o conforto do paciente internado nas UTIs, mas contribui, de maneira significativa, para o próprio resultado do tratamento.
Estudo feito em 2018 pelo SUS, no Hospital Moinhos de Ventos, em Porto Alegre, constatou redução no tempo de ventilação mecânica, no período de permanência na unidade e no índice de mortalidade dos pacientes que tiveram acompanhantes por período mais dilatado na UTI.
Defensor convicto deste processo de humanização, que considera direito dos pacientes e dos familiares, Dr Hugo salienta que eles estão assegurados, na legislação brasileira, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelo Estatuto do Idoso, mas devem ser garantidos a todo o universo dos pacientes, resguardando-se eventuais restrições a casos específicos.
UTIs humanizadas significam, sem sombra de dúvida, mais conforto para o paciente e seus familiares e melhores perspectivas para o tratamento, qualquer que seja o prognóstico.