“Fazer a América”. O sonho de quem se aventura pelos Estados Unidos ficou mais complicado com as novas leis impostas pelo atual presidente de lá, Donald Trump. Mas sonho é sonho. E, quando a gente está disposta, ele vira realidade, para corroborar a frase-clichê mais linda da língua brasileira. E um imigrante mineiro conseguiu ultrapassar os obstáculos.
Luta, inspiração, garra, foco, dedicação, paciência e humildade são algumas das palavras que podem descrevem a jornada do mineiro Ernani Mares Lima, 57 anos, empresário e executivo da área gastronômica em Nova York. Tornou-se empreendedor de sucesso nos EUA, quando nem sonhava com essa posição.
Nascido em Almenara, no Vale do Jequitinhonha, Lima viveu em Manhuaçu até os 15 anos e foi estudar em Belo Horizonte na década de 1980, como é de lei para a galera do interior. Viveu na capital até os 30 anos, onde se formou em Administração e trabalhou em bancos de investimento.
“Era uma época de crise, inflação altíssima, ninguém investia em produção e o desemprego só crescia”, conta. Qualquer semelhança, tirando a inflação que, aparentemente, está sob controle, não é mera coincidência.
Vieram o Fernando Collor e as poupanças confiscadas, e Lima perdeu o emprego no banco, da noite para o dia, na velocidade dos investimentos que fazia para os outros. Ficou sem trabalho e sem perspectiva. Tempos sombrios, de lá e de cá, nesta sucessão de ciclos que é a história.
Surge o sonho do imigrante mineiro
Percebeu que talvez seu futuro tivesse que incluir uma temporada no exterior, como forma de fazer uma poupança. Como muitos fizeram naquela época, de poucas oportunidades no Brasil.
Como a irmã morava na Alemanha, arquitetou o plano. Passaria por Nova York, onde tinha uma única amiga, para estudar, ao menos, o inglês, e de lá seguir para a Europa. Com uma rescisão de R$ 4.000 no bolso, partiu para o sonho de todo imigrante, conquistar o mundo.
Morou com brasileiros em Astoria, o bairro de maior concentração dos brasileiros, tirou carteira de motorista e documentos para trabalhar, numa época em que era difícil, mas não tanto como agora.
Trabalhou três dias no estacionamento de um restaurante e depois foi cuidar de uma garagem, estacionando carros dos prédios vizinhos. Jornada das 22h às 10h. Teve um chefe peruano que mandava bater cartão de meia em meia hora para não dar chance para um cochilo.
A vantagem era ter tempo para estudar inglês, espreitando o silêncio da madrugada, pouco movimento e muita gana por melhorar a vida. “Chorava todo dia de saudade, e as cartas demoravam uma semana ou mais pra chegar, no tempo pré-internet”, lembra Lima, reconhecendo que foi humilde o bastante para trabalhar durante três meses nessa garagem e começar a vida como uma criança, como ele define o processo de aprendizagem de outra língua.
O começo como entregador
De lá, o imigrante destemido partiu para uma cidadezinha a três horas de Nova York, onde trabalhou como despachante em uma joalheria. “Ali eu aprendi mesmo o inglês, mas, depois de um tempo, meu visto venceu e achei melhor voltar para Nova York.”
Ligou para o dono do restaurante que lhe dera o primeiro emprego e recebeu a boa notícia de que estava para abrir um novo estabelecimento. “Tenho trabalho para você.” Lima
fazia entregas de bicicleta: sanduíches e produtos de padaria, já que o patrão era italiano.
Nem sonhava que dentro de um par de anos viria a ser seu sócio. Logo, o italiano abriu quiosques de verão perto da Times Square. Lá foi Lima gerenciar o empreendimento de temporada. Trabalhava seis meses e folgava seis. Já estava ficando de bom tamanho esse sonho de ganhar a América.
Foi nesse momento que a aventura pelo exterior que teria destino final a Alemanha mudou seu rumo. O convite para administrar os quiosques surgiu na época em que as Alemanhas planejavam a união, um período conturbado. A irmã aconselhou Lima a ficar nos EUA.
“O chefe viu alguma coisa boa em mim e me deu uma participação nos quiosques, que já eram o emprego dos sonhos.” Era a resposta que ele precisava.
Um romance surge na vida do imigrante
Claro que tem romance nesta história. Em 1995, o animado imigrante conheceu uma bailarina brasileira que estava passeando em Nova York. Era o reencontro com seu país e com o amor. Ela ficou e tiveram duas filhas, hoje com 15 e 18 anos.
Mas não teve moleza. Lima estava como ilegal, mas achou que valia persistir no sonho, agora por ele e pela família.
Aprendeu a cozinhar no inverno, quando ficava de folga dos quiosques de verão, e passou oficialmente a ser sócio de um novo restaurante do agora ex-patrão italiano. Foi nesse período, lembra-se, que ajudou muitos brasileiros e outros imigrantes de chegada na cidade, empregando-os nos quiosques e garantindo que tivessem acesso ao almejado green card.
Saudade, mas sem desejo de voltar
Hoje, Lima continua sócio de um dos restaurantes do grupo Sant Ambroeus Hospitality Group, o Felice Wine Bar. É também diretor de Operações do SA Group, que tem 12 restaurantes nos EUA e uma padaria que fornece os produtos para cadeia. O faturamento é de cerca de US$ 50 milhões por ano. Este ano, o grupo gastronômico planeja abrir mais três casas, uma em frente ao que foi o World Trade Center. Ainda não é o fim.
Lima diz que tem muita saudade do Brasil. Mas ficou mais feliz e tranquilo quando se considerou 100% norte-americano, eliminou a divisão no coração e arrancou o sonho de um dia voltar. “A experiência de imigrante mostra que você nunca está 100% em lugar nenhum. Eu amo o Brasil, vou duas vezes por ano e está bom assim.”
As filhas, que nasceram nos EUA, hoje moram no Brasil e visitam o pai duas vezes por ano. Uma delas, a Manuela Mares, está se enveredando pela área da gastronomia também e faz estágio nos restaurantes do grupo quando está de férias.
Como todo filho, onde tem amor, tem queixa. “Quantos Ernanis querem ter a oportunidade de vencer pelo esforço e não pelo parentesco ou por um padrinho político?”
É um exemplo de vida e de dedicação a um sonho. Linda história de vida. Parabéns.