Sempre gostei de bonecas. Tive várias. E, pasmem, brinquei com elas até começar a namorar. Só parei (só que não) porque a minha mãe me encostou na parede:
– Ou você namora ou você brinca de bonecas.
Decidi por uma terceira via. Namorava e costurava roupinhas para as bonecas das minhas irmãs mais novas. Já não visto as bonecas de hoje. Afinal as contemporâneas já vêm com acessórios e guarda-roupa completos.
E o que você me diz dessa onda de bebês reborn? Não quero alarmar ninguém, mas confesso que ando muito aperreada com essa solidão que não tem a ver somente com ausência de presenças. Talvez esteja aí a explicação.
A verdade é que alguma coisa está fora da ordem. E não é de hoje. Caetano Veloso já tinha feito esse alerta lá pelos anos noventa. Que atire a primeira pedra quem da nossa geração nunca cantou “fora de ordem” a plenos pulmões.
Por outro lado, esse apego aos bebês rebourn, em alguns casos, tem motivação financeira. Nos últimos dias um caso, no mínimo inusitado, ganhou as manchetes. Um casal que investiu tempo e dinheiro na construção de uma vida digital para a boneca agora se vê em um impasse sobre sua “convivência”, os custos de sua manutenção. Tem ainda a gestão do perfil no Instagram, uma excelente fonte de renda. A advogada envolvida na questão precisa navegar por um território pouco explorado no Direito, no qual sentimentos, propriedade intelectual e vínculos afetivos se misturam em uma nova forma de disputa judicial.
Na nossa família grande e barulhenta, até onde eu sei, até agora não há nenhum caso de adoção de bebês reborn. Por outro lado, há uma verdadeira devoção por Barbies. Minha sobrinha Isabela é fã; Gabriela, minha sobrinha neta, também.
– Mas, Gisele, a Barbie é uma boneca sexagenária? Como é que as suas sobrinhas se identifiquem com ela? Acredito que é porque, apesar de ter sido lançada em 1957, a Barbie não envelheceu. Está sempre se renovando. Nessas mais de seis décadas a boneca icônica passou por mudanças significativas para promover a diversidade, incluindo diferentes tons de pele e tipos de corpo. E, pasmem, até agora já foram lançados 180 modelos. Há desde Barbie policial a chef de cozinha, professora, piloto de avião, médica, engenheira de computação, diretora de cinema, arquiteta e empresária.
E as curiosidades sobre a boneca não param por aí. Obviamente que para ter acesso às informações recorri à IA como 99,99% das pessoas. Afinal, eu também tenho que sobreviver nesse ambiente digitalizado e hostil. E se não surfar nessa onda já perdi o trem da história.
A IA me contou, por exemplo, que a boneca já viajou ao espaço e que uma nova Barbie é vendida a cada três segundos no planeta. Descobri mais: que já foi vestida por mais de 75 estilistas, incluindo Oscar de La Renta – o primeiro de todos -, Christian Dior, Ralph Lauren, Vera Wang e até mesmo Karl Lagerfeld.
Outra curiosidade: a primeira Barbie negra surgiu apenas 11 anos depois de seu lançamento, em 1980. Por fim, visando a diversidade, em 2016 a Barbie ganhou três novos tipos de corpo, sete tons de pele, 22 cores de olhos, 24 penteados e novos acessórios diversificados.
A verdade é que entre bebês reborn e Barbies icônicas, seguimos navegando nesse mundo onde a fronteira entre o real e o digital parece cada vez mais nebulosa. No fim das contas, o que nos resta é a reflexão: estamos substituindo vínculos humanos por interações previsíveis e programadas? E se estamos, o que isso nos diz sobre a solidão dos nossos tempos?
Afinal, nada supera um abraço de verdade. E no meu caso, quando esse abraço vem da Isabela e da Gabriela é melhor ainda.