Minha pátria é minha língua

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Muitas palavras que brasileiro usa no dia a dia tem origem angolana
Muitas palavras que brasileiro usa no dia a dia tem origem angolana. Imagem -redes sociais

“A cambada de capanga causou uma muvuca na rua, enquanto a babá levava o bebê para dar um dengo. Acabaram todos no beleléu da caçamba”. Essa frase fez algum sentido para você? Imagino que não. É obra da inteligência artificial (IA). É que pedi à “famosinha” que criasse uma frase com as palavras dengo, cambada, capanga, muvuca, babá, beleléu e caçamba. Todas elas são de origem africana e hoje estão incorporadas ao nosso vocabulário. Ou você vai me dizer que nunca disse “meu dengo”, referindo-se à pessoa amada? E “muvuca”, quando aquela festa do vizinho passou dos limites? “Aquilo ali estava a maior muvuca”.

Ficou surpresa? Não foi só você. O influenciador Geovany Fernandes-Cattuco movimentou os internautas ao revelar que dengo, cambada, capanga, muvuca, babá, beleléu e caçamb são só algumas palavras de origem angolana que são usadas diariamente por brasileiros Num dos vídeos publicado no Instragram e no Tik Tok, Fernandes-Cattuco também revela o significado de cada uma.

E como você já sabe ou deve ter percebido, sou uma amante de palavras e do sentido delas, vamos às explicações de tiktoker angolano. Dengo tem origem na língua Kikongo e é falada no norte de Angola. Vem da palavra ndengu. Significa doçura, carinho e atenção. O influenciador também menciona que cambada vem da língua quimbundo e é derivada da palavra dikamba, que quer dizer amigo ou companheiro.

Já o termo capanga vem do dialeto quimbundo, do verbo kuppanga, referindo-se a uma pequena bolsa usada a tiracolo ou a um homem contratado como guarda-costas. A palavra muvuca tem origem no kikongo, significa aglomeração, enquanto babá vem do kibundo, com o sentido de acalentar ou embalar uma criança para dormir. Beleléu, por sua vez, tem origem no kimbundo e indica sepultura ou campa na qual as pessoas são sepultadas. E por fim, caçamba deriva da palavra kisamba, representando um cesto grande.

E olha que Geovany só se referiu a essas sete palavras. No nosso dia a dia usamos muitas outras, como bagunça, cachimbo, moringa, caxumba, quitanda, fubá, macaco, moleque, caçula, soco, jabá, gogó, cachaça, quitute, corcunda, batucada, bafafá, acarajé e por aí vai. São várias as palavras que ganharam também a contribuição dos povos originários. Esse caldeirão de culturas tornou o português falado no Brasil bem diferente do português falado em Portugal.

Não precisa ir longe. Aqui mesmo na nossa família incorporamos várias dessas palavras no nosso vocabulário. Beleléu e muvuca, então, eram recorrentes aqui em casa. Hoje, convivendo com a terceira geração dos Bicalho Resende, não são tão frequentes. Às vezes causam até certo estranhamento.

-Tia Gisele, o que é esse tal de beleléu? Não tô entendendo nada. Coisa mais antiga!

Imagine se essa geração imediatista teria paciência de ouvir que beleléu tem a ver com, tem origine em … Ah, deixa para lá. Melhor abafar o caso e mudar o rumo da prosa. E assim lá vai mais uma palavra encantadora para o dicionário das palavras perdidas. A propósito, se você ainda não leu, recomendo muito um livro que trata sobre esse tema. A autora é Pip Williams. Este livro conta a história de Esme, uma menina que cresce em um mundo de palavras enquanto seu pai trabalha na criação do Dicionário de Inglês Oxford. Esme começa a colecionar palavras descartadas ou negligenciadas.

Voltando ao xis da questão, não são só os conflitos de gerações, nesse caso criado por palavras arcaicas (ou não), que costumam criar celeumas (ops!). Experimente visitar Portugal sem a companhia de um nativo. Você vai se ver em apuros. Em alguns momentos parece que a gente está ouvindo outra língua. Lila Cassemiro, do blog “Fui Ser Viajante”, faz posts nos quais compara várias palavras e expressões usadas nos dois países, destacando curiosidades e contextos culturais das diferenças linguísticas. Ela menciona por exemplo, que enquanto no Brasil se usa “ônibus”, em Portugal se diz “autocarro”. E que se no Brasil “geladeira” todo mundo tem em casa e sabe pra que serve, em Portugal os alimentos são armazenados em um frigorífico.

Se você disser que vai guardar a carne do seu churrasco de domingo no frigorífico, certamente seu interlocutor vai achar que você pirou. Tem mais. Vamos aos exemplos: em Portugal, “camisola” é uma blusa de manga longa ou um pijama, enquanto no Brasil, essa mesma roupa é chamada de camiseta. Em terras portuguesas “bicha” é uma palavra comum para se referir a uma fila de pessoas, mas no Brasil, o termo é um insulto homofóbico e se usa “fila” para designar uma linha de pessoas.

E o nosso famoso e mineiríssimo trem que em Portugal é chamado de comboio? Quer mais? Em Portugal, telemóvel é o termo usado para telefone móvel, enquanto no Brasil, se diz “celular. E se no Brasil pedestre é a pessoa que anda a pé, em terras lusitanas essa mesma pessoa seria chamada de peão.

Poderia me estender aqui e citar outros exemplos. Mas como não quero cansá-los, vamos ficando por aqui. Não sem antes lembrar que Caetano Veloso, na canção “Língua”, celebra e explora as nuances, a beleza e a complexidade da língua portuguesa, mencionando suas origens, influências e a diversidade cultural que ela carrega.
“Minha pátria é minha língua / Fala, mangueira! Fala! / Flor do Lácio, Sambódromo / Lusamérica, latim em pó”.
E não é só Caetano que considera a língua como essência de sua identidade cultural e de Nação. Fernando Pessoa refere-se à língua portuguesa como sua pátria no famoso verso “Minha pátria é a língua portuguesa”, um dos versos do poema “Liberdade”.
Indo. Até a próxima.

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